segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Um espelho, as máscaras e Latinamérica


Eu, como a maioria dos brasileiros, durante toda a vida encarnei o bairrismo contra qualquer coisa que viesse da Argentina. Não percebia que a rivalidade que existe no futebol não ficava apenas dentro dos estádios nas competições e amistosos onde as duas seleções se enfrentavam, mas que me fazia ter uma atitude de zombaria e escárnio com qualquer um que tivesse simpatia por aquele país, e até ter um pé atrás com qualquer argentino. Hoje percebo que eu, na verdade nutria essa atitude contra os argentinos porque achava que eles sempre queriam provar sua superioridade em relação aos brasileiros, ou melhor, que eles se negavam a aceitar o fato de que nós, brasileiros, somos melhores, maiores, mais ricos do que eles. Passei então a me sentir um tanto ridículo e idiota. Finalmente percebi que me sentia superior não só aos argentinos, mas aos bolivianos, uruguaios, chilenos, peruanos, colombianos, e a todos os outros países de Latinamérica.

Por isso mesmo nunca pensei em fazer uma viagem a esses países pra conhecê-los (no máximo à Matchu-pitchu no Peru), nem me esforçava pra procurar ouvir a sua música ou ler a sua lietratura. Mas mesmo assim acabei indo ao Chile e à Argentina por curtos períodos de tempo, mas tempo suficiente pra transformar a mnha visão sobre a Latinamérica, sobra o Brasil e sobre mim mesmo.

Foi assim que minhas máscaras começaram a cair, e comecei a ver que o que estava atrás do meu "orgulho de ser brasileiro" não era uma felicidade por ser herdeiro de uma história de corrupção, injustiça social, exploração econômica e até étnica que sempre se desvalorizou diante de tudo que vinha (ainda vem) do hemisfério norte. Percebi que meu "orgulho de ser brasileiro" não passava de uma reação automática a uma baixa-estima histórico-socio-cultural que se desenvolveu de geração em geração a ponto de se tronar imperceptível, e pior, a ponto de destacar aquelas características que a nossa mídia exalta (alegria e criatividade), que são verdadeiras e, sim, também fazem parte da nossa identida brasileira, como uma riqueza superior às peculiaridades dos outros países de Latinamérica, como se eles não tivessem, cada um as suas próprias também, tão diversas e enriquecedoras quanto as nossas. Foi assim que minhas máscaras começaram a cair, e eu estava diante de um espelho onde eu podia me ver em parte. Além das minhas mazelas refletidas, ví as riquezas, que longe de nos deixarem melhores uns que os outros, nos fazem diferentemente ricos, belos e coloridos.

Descobrí a Cueca chilena (gênero musical folclórico) e um povo simples e corajoso, que lutou contra dominação espanhola até que o último homem tombasse, que glorifica sua história e honra seus heróis. Descobri também um amor pela arte nacional tão natural que nos é estranho (me parece que os artistas de rua são um fenômeno fortíssimo em toda a Latinamérica).

Descobrí a paixão e sensualidade do tango argentino, que é tocado e dançado por todo "El caminito" (mais do que uma atração turística, uma paixão e marca nacional, tanto quanto o futebol). Descobri um povo intenso nos sentimentos, que sabe se mobilizar contra injustiça, e que faz do "protestar" quase um estilo de vida. A Argentina é o país do tango, das paixões intensas, do futebol e do piquete (rsrsrs).

Enfim, nem era minha intenção escrever tudo isso aqui, só queria declarar publicamente meu arrependimento pelo "orgulho" BURRO que cultivei durante tanto tempo sobre os outros povos de latinamérica, e dizer que me orgulho do que ví naquele espelho, me orgulho em ser brasileiro, me orgulho de ser latinoamericano.

Jefferson Luz, 26 de fevereiro de 2007, Belém

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Eu vi

No carnaval de 20o5 eu estava no Rio, e foi o 30 carnaval que passei na  avenida Pr. Vargas, bem pertinho da Sapucaí, fazendo o que a gente, lá na base de Jocum-RJ, chama de Impacto de Carnaval. 




Eu vi luzes que tocavam as nuvens,
Que ora se moviam aleatoriamente, ora pareciam querer imitar a evolução de uma comissão de frente...

E gente...
Eu vi muita gente.
Gente de todos os tipos, e de línguas também.
Gente do Brasil e do mundo estavam lá pra ver o que estávamos vendo
Brilhos, cores - mas numa variedade tão rica que eu não conseguiria descrever aqui – nos carros, nos corpos, nos rostos...
Eu vi também muitos rostos. Rostos comuns, sem nada pra disfarçar sua humanidade, suas necessidades.
Eram rostos que falavam de espera...
Alguns esperavam com olhos arregalados como se estivessem prestes a encontrar algo totalmente incrível a qualquer momento – e que esse momento fosse eterno enquanto durasse...
Outros, já esperavam que a noite acabasse logo,
Que a festa acabasse logo,
Que a vida acabasse logo...
E ainda outros que, me parece, não esperavam nada,
Passavam como se houvesse nada de diferente ao seu redor.
Como se aquela fosse só mais uma noite em suas existências, a qual nunca lhes disse muita coisa.
Mais uma noite fingindo-se vivos pra si mesmos.

Mas eu também vi pessoas vivas,
E, assim como os outros, de todos os tipos, e até línguas.
Mas esses não foram ali em busca de vida, mas para oferecer A Vida
A tantos quantos quisessem recebê-la.
Estavam vivos porque A Vida já os tinha encontrado.
E seus rostos falavam desse encontro,
Assim como seus sorrisos, suas danças, suas canções,
Suas lagrimas de alegria por estarem vendo a espera de muitos terminar.
Vi desconhecidos se abraçando agora como irmãos,
Homens aliviados e alegres por, agora livres de culpa, terem uma nova chance,
Mulheres sorrindo por descobrirem agora que são profundamente amadas... Agora pareciam duas festas diferentes no mesmo lugar,
Duas alegrias:
Uma que precisava ainda “bombar” mais do que nunca, já que era a ultima noite,
E outra, uma alegria intensa e branda ao mesmo tempo,
Como a de uma mãe quando toma no colo o seu nenê pela primeira vez logo depois do parto.
Uma alegria que inspira descanso e vida,
Pois vinha da certeza de ser sempre eterna.

Eu vi uma luz muito mais forte do que aquelas que tocavam as nuvens...
Essa, dissipou densas trevas
E tocava o coração de Deus.

 
Jefferson Luz, fevereiro de 2005, Rio de Janeiro.